terça-feira, dezembro 30, 2008

Em banho-maria

Encho um tacho com água, ponho a touca na cabeça para não deixar vestígios do meu longo cabelo, dispo o avental e salto lá para dentro. Nado ao fim do dia para espairecer. No silêncio da piscina, tal como no silêncio dos meus tachos.
A cada braçada sinto a água a ganhar mais temperatura, tal como os meus pensamentos. Nado pelas águas de Malta, onde tenho vontade de voltar depois de um telefonema com desculpa natalícia. Molho os pés no Mar Negro, antevendo a viagem que tenciono fazer este ano pela Turquia. Sigo a bruços até Moçambique e por lá faço uma paragem. Talvez como a que tenciono fazer quando organizar a minha rota (da vida).
Mergulho novamente até às piscinas de São Bento, de onde guardo as melhores memórias de uma infância que terminou envolta em tristeza. A tristeza transporta-me para as margens do rio Saone, em Lyon, onde descobri mais uma vez que na minha cozinha há uma capacidade estrondosa de erguer a cabeça e seguir em frente em vez de chorar. Deixo-me ficar em banho-maria, porque nas águas algarvias é assim que ando. Acabo a boiar nas recordações de Cinque Terre, onde relaxei pela última vez como costumo fazer na minha natação de fim de dia.
Saio do tacho, os pensamentos borbulham e volto a erguer a colher de pau para mexer a água do meu próximo cozinhado. Só ainda não decidi qual será.

segunda-feira, dezembro 29, 2008

Mistura de pipocas

Juntam-se duas espigas de milho, uma sala de cinema em lume brando e muito açúcar de boa disposição cor-de-rosa: o resultado só podia ser a minha habitual falta de compostura no cinema. Os anos passam e, inexplicavelmente, eu acabo sempre por NÃO passar despercebida cada vez que entro numa sala com um grande ecrã.
Com a cara banhada em lágrimas dou por mim a ter um ataque de riso onde os soluços se confundem como duas pipocas – salgadas e doces – enfiadas no mesmo cartuxo. O Richard Gere a morrer, a Diane Lane de coração destroçado e eu… a rir sem conseguir parar. Acho que isto mostra muita da minha incapacidade de lidar com situações dramáticas. Acabo sempre a rir da (minha) desgraça. Felizmente, a pessoa que me aocmpanhava nesta noite de cinema gosta das minhas gargalhadas sonoras, por mais inconvenientes que sejam.
Do filme, fica a melhor frase de sempre sobre o amor. Lida em compreensão mútua: “There's a different kind of love: one that gives you courage to be better than you are and that makes you think that everything is possible”. Tem ou não tem razão?

sexta-feira, dezembro 26, 2008

Rabanadas e sonhos

Serve o presente post para informar que sobrevivi a mais um natal em família. Quem me conhece sabe que a tarefa é ardua e que os meus tachos ficam num estado de exaustão extrema... nada que umas rabanadas, um belo tintol, os amigos (os de sempre... mais os recentes que parece que sempre cá estiveram) e um telefonema cheio de sonhos (inesperados) não ajudem a ultrapassar. Cá estamos, pronta para soltar a azevia que há em mim!

terça-feira, dezembro 23, 2008

Sopa da pedra

Se num caldeirão que demorou demasiados meses a encher juntarmos várias latas de sentimentos indefinidos mas sinceros, vários quilos de paciência e molhos de qualquer coisa ingénua que nem mesmo eu sei onde fui colher, concluo que nunca poderei ser uma sopa de pedra. Sou demasiado terna, por mais que me esconda na solidez dos meus tachos de ferro. Contudo, há alturas em que percebemos que terminou o prazo de validade.
Há umas semanas alguém me mostrou a música que partilho no fim deste cardápio. Certeira. Mas se em tempos a ouvi com saudosismo, agora oiço-a zangada. Sentimento tão atípico em mim. Zangada comigo porque insisto e expor-me a altas temperaturas quando sei que não sou a pedra da dita sopa. Porque insisto em me preocupar e dar o melhor de mim nas alturas erradas. Porque embora me considere uma mulher inteligente, o meu coração de manteiga deu-me cabo da receita.
É engraçado como as cozinheiras que sempre tiveram uma vida recheada de ingredientes problemáticos tendem a achar que uma situação difícil é apenas mais um simples desafio. Uma cozinheira normal fugiria a sete pés. Em 2009 esta é uma das coisas que vai mudar por estes lados.

Cozinha... a quatro patas!

“There's a rat in me kitchen, what am I gonna go?”, já diziam os UB40 (Parola 2, obrigado pela sugestão). Ao fim de meses de invasão roedora na minha cozinha descobri (via chouriço) que há um rato assíduo nos meus tachos. Convencer a ASAE de que não era motivo para fechar a porta foi difícil mas, depois do susto, estamos de volta entre bigodes e caudas compridas. Dedicado ao meu leitor revelação (de quatro patas?), deixo um vídeo onde fica provado que os ratos são amigos das cozinheiras. Volta sempre ;)

sexta-feira, dezembro 19, 2008

Chouriços

Por mais que seja uma verdadeira apreciadora de enchidos, na minha cozinha chegou-se a uma conclusão: encher chouriços, nunca mais!
Já tive o prazer de grelhar umas quantas espécies de chouriços no meu pote de barro. Gostei particularmente das linguiças suculentas, das morcelas do norte, dos salpicões mediterrânicos e até mesmo dos chouriços correntes … e foram raras as alheiras gordurosas que me deixaram mal-disposta depois. Posso por isso dizer que sempre tive uma boa relação com os enchidos, mesmo quando tive de aturar uns quantos verdadeiros chouriços que me passaram pela vida.
Contudo, nos últimos tempos percebi que encher chouriços é algo para que não fui talhada. Já não sou a cozinheira paciente que muitos conheceram e, sinceramente, já chega de paios mal-curados na minha cozinha. Espero que me sigam o exemplo.

domingo, dezembro 14, 2008

Soltar a franga... de churrasco

O frango assado tem sido parte integrante de muitos dos melhores momentos da minha vida. Com molho de limão ou com picante, é um ícone. Seja em dia de festa, seja nos dias maus em que não há tempo para cozinhar e se opta pelo desenrasque.
No meio de tristezas agudas, foi em tom de celebração que se comeu frango à mão pela primeira vez em conjunto na (+/-) casa da Parola 2. Também ela optou por fechar a cozinha por motivos sentimentais já lá vão uns bons tempos e este semi-churrasco (de emoções… que noite!) marcou o início talvez de uma nova era. Embora o fogão não tenha sido ligado, um passo (ou uma perna de frango) foi dado em frente. Porque em épocas como esta, onde reina a tentativa vã de esquecer os que nos põem com pele de galinha, só mesmo a soltar a franga (quem sabe, no espeto) é que nos salvamos em mútua compreensão.

sábado, dezembro 13, 2008

Bolo de caco

Juntam-se três amigas numa panela de pressão, dúzias de incertezas, um coração fragilizado e 500g de uma triste ideia (minha, ainda por cima) de ir ver o espectáculo de homenagem à Amália Rodrigues. Terminamos tal qual bolo de caco, ensopado em lágrimas. E foi precisamente a "Lágrima" que me deixou a cara banhada pelas emoções difíceis de conter. Pela voz da Ana Moura (só podia). Porque na minha nova cozinha já não se tem vergonha de chorar. Porque eu estou cada vez mais autêntica. Porque os afectos fazem parte do mais gourmet que há em mim.

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Pão para todos os (meus) gostos

Pão. É este o primeiro grande pitéu da minha cozinha semi-remodelada. E porquê? Porque o pão é talvez dos meus alimentos preferidos… e cuja importância sócio-cultural atravessa gerações, desde a santa ceia com o Jesus e os doze amigos (e a namorada).
Começo com um cesto de broa de milho. Pão, bom comó milho… Porque a partir de hoje papos-secos (literalmente) vão ser evitados na minha mesa. Segue-se uma baguete com chouriço, porque só um sabor forte pode ajudar a tirar da boca outro igualmente intenso. Continuo com uma bela açorda, porque é assim que me sinto. Meio desfeita, mas cheia de consistência, como em todas as alturas da vida em que tive de andar para a frente.
Termino com uma GRANDE fatia de pão-de-ló. Recheado com o melhor creme de ovos… cujos efeitos indigestos não me deixam esquecer que o meu coração entrega-se poucas vezes, mas quando o faz não tem medo de arriscar. Mesmo que acabe tal qual torrada queimada.
A fatia de bolo é grande porque me fartei de comer apenas os restos. Porque uma grande cozinheira não deve contentar-se apenas com migalhas de atenção. Mas se algum dia o bolo me chegar novamente, mas inteiro, tenho a certeza que a minha sensatez vai ser maior do que o orgulho. Tal qual pão com manteiga que sou.

A todos os glutões: reabertura prevista!

Porque tristezas não pagam dívidas e a pedido de várias famílias anuncio que a cozinha vai reabrir muito em breve… quem sabe ainda hoje. Em tons de verde (porque é minha cor preferida), com jarras cheias de flores (porque no meu regresso a Lisboa recebi uma e soube-me muito bem esse miminho inesperado), com receitas menos experimentais (porque de vez em quando é preciso voltar a perceber a importância das refeições consistentes e tentar esquecer os sabores indefinidos que no fundo nunca fizeram um esforço por merecer a dedicação dos meus tachos), com sorrisos na inauguração (porque como me diria hoje um colega: a tristeza não condiz contigo), com um novo fôlego (porque sei que sou uma grande cozinheira… e que estou rodeada pelos melhores amigos de sempre).
Enquanto faço as limpezas necessárias ao pó que encheu as minhas prateleiras, vou escolhendo a banda sonora para a abertura. Por agora o som ainda é lamechas (porque infelizmente sou muito mais romântica do que galdéria), mas prometo que também isso deverá mudar em breve.

domingo, dezembro 07, 2008

Obras na cozinha

Ha alturas em que precisamos parar e renovar o stock de ingredientes, o menu, os cheiros, as cores. A minha cozinha fechou hoje para obras. Nao vao ser prolongadas. Mas deverao ser profundas porque atras das panelas desgastadas pelo habito de pratos insuficientes, reina uma cozinheira desejosa por ter um novo 'tasco' gourmet. Quem sabe com sabores tipicos de Portugal. E la vamos nos outra vez... :)