quarta-feira, setembro 30, 2009

Relógio da cozinha

Tic-tac. Tic-tac. Os ponteiros do relógio da minha cozinha passam segundo a segundo, à espera de ouvir o apito final a reclamar que desligue o fogão e dê por finda a confecção de mais um prato. Mas e se, de repente, eu achar que afinal quero que tudo fique um pouco mais passado? Ou, pelo contrário, achar que já passou demais? Ou pior: se achar as duas coisas ao mesmo tempo, porque no tabuleiro que está no forno os ingredientes tinham consistências diferentes e eu simplesmente não dei (logo) conta?
Há algo de impiedoso no relógio do fogão. Como se nos tirasse a espontaneidade para temperar a bel-prazer e mudar o rumo do sabor final. Sabor que, pensando bem, também pode ser alterado já quando a comida chega à mesa e fica à mercê do galheteiro.
Por estes lados o tic-tac tem sido constante, 24 horas por dia, como se na minha cozinha não houvesse mais tempo e eu tivesse de decidir um menu gourmet como quem manda vir um prego no pão. Não gosto. Volto ao lume brando e dou tempo a mim mesma. Faço as malas e penso em como, por vezes, é bom partir. Pela frente, quando voltar, tenho todo o tempo do mundo.

quinta-feira, setembro 24, 2009

Delicia preto no branco

Numa taça funda misturamos camadas intercaladas de verdades de nata e decisões de chocolate. Preto no branco, sem confusões, a não ser quando chega ao (recato escondido do) estômago. É uma sobremesa que se serve a frio… mas depois de já ter passado pelo lume. Exige coragem para começar a intercalar as camadas. A sinceridade do preto no branco assim o obriga.
Nos últimos tempos dei por mim a servir esta sobremesa mais do que uma vez, a pessoas diferentes e situações distintas. Como se a verdade fosse o ingrediente mais ansiado na minha cozinha. Como se eu andasse em busca da minha própria verdade. Mesmo que, por vezes, o travo final possa ser amargo.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Caixa de tâmaras

Lembro-me de ser um festim cada vez que o meu avô comprava tâmaras. Era uma iguaria rara naqueles tempos… por isso mesmo, especial. Era com alguma ânsia que as esperava e, quando ele não as trazia durante muito tempo, a desilusão era inevitável.
Durante muitos anos de cozedura, uma tâmara foi um vaivém nas minhas prateleiras. Ora aparecia na caixa mais bonita, ora tornava a ir embora quando eu me começava a acostumar-me novamente ao sabor da sua presença.
Hoje em dia apercebo-me de como essa tâmara continua presente na cozinha da minha mente nos mais variados formatos. Uma necessidade constante de saber que as tâmaras vão lá estar, mesmo que eu nem sequer saiba se as quero realmente comer. Voltar a não ter a amarga surpresa de a ver ir embora quando se torna especial.
Tendo a noção de que na culinária da vida não há certezas absolutas, um dia terei de resolver isto.

domingo, setembro 20, 2009

Pão e manteiga. Cerveja e tremoço. Azeite e vinagre. Sal e pimenta. Na culinária da vida há atracções inevitaveis. Umas surgem tarde, outras acontecem cedo demais. Independentemente da rapidez, apanham-nos sempre desprevenidos. E por mais voltas que se tente dar no tacho, elas acontecem... e permanecem. Mesmo quando tentamos desligar a luz da cozinha.

quarta-feira, setembro 09, 2009

Paulinha no passador

"Ou você anda ansiosa, ou está quase a bater a bota".
O veredito de uma médica, em plena consulta do viajante. Sem direito a auscultação.
As minhas mãos suadas, as olheiras e as insónias já não mentem: estou a rebentar pelas costuras. Um verão inteiro sem folga nos refogados da escrita, deixou-me assim. E entre antevisões de pitadas de malária, febre amarela, poliemite, hepatites e até mesmo a gripe dos porcos, preparo-me para ir em busca de sabores exóticos na outra ponta do mundo. Quero lá saber se vou com os braços feitos num passador... quero é chegar lá e começar a explorar as prateleiras de iguarias que me esperam.

domingo, setembro 06, 2009

Intensidades do lume

Na culinária da vida a intensidade do lume do fogão deve ser regulada com inteligência. Há uma facilidade estrondosa em queimarmos alimentos ou até mesmo a mão que tempera.
Há pratos que nem sequer deviam ir ao lume, sob risco de ficarem estragados. Há outros que, depois da fervura, deviam entrar directamente no frigorífico para enrijecerem sem qualquer possibilidade de amolecerem… porque não é essa a sua essência. Têm-me dito que estou obcecada com o controlo. Eu diria que é apenas bom-senso gastronómico.
Vejo-me constantemente a braços com isto das medições do lume. Arrisco brincar com o fogo, quando sei que há uma possibilidade grande de estragar parte da refeição. Por outro lado, deixo despropositadamente(!) a porta do frigorífico aberta e quando dou conta há mais pratos moles do que rijos na minha cozinha. O que fazer com eles é que não sei. Para já, “nada” parece-me a resposta certa. Só não me quero é queimar.

quarta-feira, setembro 02, 2009

Pitadas de...

Porque na cozinha é preciso uma pitada de altruísmo de vez em quando. Porque prefiro pratos doces do que amargos. Porque perdi a paciência para aturar (todos) os molhos agridoces que nunca serão nem uma coisa nem outra. Ando demasiado ocupada para desperdiçar tempo em receitas antigas. As novas sabem muito melhor.