segunda-feira, novembro 30, 2009

Chocolate de chuva

Está a chover como no dia em que decidiste ir embora. Passaram horas, dias, meses, anos... tempo, demasiado tempo. Teimosamente continuo a não (querer) me despedir. Egoistamente não ligo para tua casa: Não quero ouvir, na voz de quem me atende, que já lá não estás.
Durante muito tempo achei que não tinhas o direito de ir embora daquela forma airosa e inesperada, sem sequer te despedires. Mais tarde percebi que nunca o poderias ter feito de outra forma: sempre foste o mais forte. Pensei muitas vezes ir ao teu encontro. Nunca fui. Na realidade, ainda não percebi se fará sentido ir. Um dia, talvez um dia, decida meter-me a caminho e falar contigo no silêncio. Mas hoje (e amanhã e depois também) não me apetece chorar.
Hoje comi um chocolate no meio da minha eterna solidão repleta de gente. Lembrei-me de ti. Lembrei-me daqueles bombons do Natal, dos teus olhos a brilhar, da forma como riamos naquela altura. Tive saudades. Nem sabes como. Um dia, seja onde for, vamos falar sobre isto.

quinta-feira, novembro 19, 2009

Beleza na cozinha

Um dia acordamos e os olhos que ontem tinham começado a perder a ingenuidade, voltam a querer sentir o que de mais belo há à nossa volta. Vejo a mancha de café na bancada da cozinha e não é apenas sujidade: é a presença daqueles que sempre farão parte da minha vida. Não a limpo. Olho pela janela e vejo o nevoeiro. Já me tinha esquecido de como gosto do início do Inverno. Se repente, apetece-me perder-me no meio dele, sem ver nada à minha frente. Afinal, nem sempre temos de ver para sentir.
Vejo as caras que, no meio do stress, têm tantas vezes um sorriso quando eu passo. Almoço com elas, entre piadas brejeiras e percebo que uma gargalhada me enche a alma de cada vez que a dou. Gosto de rir. Gosto mesmo. Faço questão de voltar ao passadiço de um prédio frio ao fim da tarde só para ver as cores do pôr-do-sol que (só) descobri inesperadamente tantos anos depois de ali estar. Sinto o vento na cara, os lábios gretados, o casaco que me roça no queixo… e sei que a natureza será sempre mais forte que eu. E é tão bom que assim seja.
Hoje volto a perceber que a beleza está em todo o lado. Que não quero perder tempo a remoer no que me tolda esta visão. A hesitar, a pensar duas vezes quando me apetecer sugar tudo de forma espontânea. O mundo não pára. Eu também não. Falta apenas saber ver a beleza deste eterno tic-tac.

quarta-feira, novembro 18, 2009

Envelope recheado com doce

Os bolos sempre fizeram parte da minha gastronomia mais gourmet. Os envelopes, recheados com doce de entendimento, são raros, mas dos que mais gosto. Chego à cozinha quando a noite já vai longa. Encontro um à minha espera. Palavras vindas de Bali. Com cheiro a coco.

“Paulinha (como no fundo tu gostas)
Lembra-te da felicidade que sentiste em Ubud e alivia o teu coração. Acredita em ti. Não tenhas medo. Recorda aquele jantar: ‘Passei anos à procura da chave e a porta esteve sempre aberta’. Se precisares de mudar, muda. Se tiveres vontade de te entregar, entrega. Vive! Sorri!
Viver é maravilhoso. Seja nas montanhas tailandesas, nos campos de arroz balineses ou em Lisboa, lembra-te sempre de ser feliz”.

Decido partilhar esta mensagem porque acho que se adequa a muitos dos que por aqui passam. Palavras simples, escritas de mim para mim. Porque sabia que o regresso a casa estaria envolto em confusão… e porque nunca ninguém nos conhecerá melhor do que nós mesmos. Recebo esta mensagem com várias semanas de atraso (como eu gosto da lentidão da Indonésia…). Pensei que se tinha perdido, mas chega ironicamente no dia em que precisava dela. Deixo de tentar perceber os porquês destes acasos. Mas tiro a conclusão a que tantas vezes já tive de chegar: só eu estarei sempre lá para mim. Não sorrio, mas sabe-me bem ter esta certeza.

terça-feira, novembro 17, 2009

À luz da vela

Tirei esta foto na Tailândia. No topo das montanhas, numa noite iluminada por relâmpagos longínquos e uma pequena chama. Muito tenho falado de comida por aqui. Mas nunca contei a ninguém quais os adereços que gosto quando sirvo os meus pratos. Hoje falo das velas. Seja em momentos de festa, de romance, de oração (secreta), de relaxamento entre os tachos… ou em refeições que simplesmente não se conseguem levar à boca porque para trás ficou a vontade de comer, as velas fazem parte da minha culinária da vida. Porque é no escuro que se dizem as verdades mais difíceis. Mas é à luz de uma pequena chama que se tem a certeza de que o olhar de quem nos fala diz o mesmo que as palavras. E, à mesa, ver esses olhares nunca foi tão importante.

segunda-feira, novembro 16, 2009

Palavras amanteigadas

Tenho noção de que há muita manteiga na minha cozinha. Só sou uma pessoa rija quando a vida assim o impõe. Sei que qualquer côdea que me peça ajuda, vai ter direito a toda a minha manteiga. Hoje, num desses dias, dou conta que muitas vezes não sei o que fazer com as torradas queimadas da minha vida. Contudo, as palavras amanteigadas para os outros são uma garantia… e esta música é uma constante ao longo da minha culinária. Não sei agir de outra forma. E, na realidade, gosto que seja assim.

quarta-feira, novembro 11, 2009

Refeição completa

Sopa, prato principal, sobremesa. Na minha cozinha gosta-se de refeições completas. Só nunca tinha percebido que, por vezes, os pratos não combinam. Misturam-se no estomago e deixam-nos às voltas... sem saber se estamos satisfeitos ou não. Como um eterno molho agridoce que nunca se chega a definir na boca. Talvez devesse tentar fazer refeições mais pequenas ou entao ceder ao medo das dores de barriga e não cometer abusos. Mas como diria Caetano Veloso numa das músicas que tenho a certeza ser dedicada a mim: "Me dá um beijo, então. Aperta a minha mão
Tolice é viver a vida assim, sem aventura... Deixa ser pelo coração, se é loucura então... Melhor não ter razão". Gosto da calma. Mas também gosto do risco. Fecho a porta... e volto a abri-la. Desligo o fogão, mas acendo o forno. Sou uma cozinheira contraditória, eu sei. A isto se chama (vontade de) viver. Acho eu.

Sopa de defesas maduras


Lombos de vontade enrolados em massa racional


Delícia de não querer saber

domingo, novembro 08, 2009

Puré

À mesa, todos temos direito a ser puré de vez em quando. A sermos moles. A não querermos ser mastigados, mas sim simplesmente saboreados, engolidos, digeridos com tudo o que de mais intimo e verdadeiro há em nós.
Podemos tentar ser puré duro. Sei do que falo. Juntar menos leite, menos manteiga… mas, e se de repente, nos apetecer acreditar (!) que amolecer é muito mais saboroso? Seja em formato batata, com toda a sua consistência enraizada, ou mesmo em formato maça… tão doce. Não é fácil. (Para quem não está habituado).
Enjoy:

sábado, novembro 07, 2009

Entre tachos... com o super-homem

Olho para a t-shirt amarrotada e não posso deixar de dizer em tom jocoso: “Com que então… Super Man, hein? Devia tirar-te um foto agora!”. Coça a cabeça, mete a mão na anca e, com o cabelo desgrenhado de quem acabou de sair da cama, diz no seu tom inconfundível: “Ainda não viste nada”. Levanta a camisola encarnada e mostra-me os boxers gastos: “Se queres tirar uma foto, junta-lhe o ‘homem-herói’ das minhas cuecas pá!”.
Rio. Como há muito não me ria com ele. Regressar a casa tem destas coisas. Encarar aqueles que não fomos nós que escolhemos ter nas nossas vidas mas por quem, por mais voltas que o mundo dê, temos um sentimento incondicional. Não sei se é amor, mas não consigo não gostar dele.

segunda-feira, novembro 02, 2009

Cozinha com as luzes (ainda) apagadas

De volta. Sem vontade de acender o fogão (ainda). A tentar perceber como gerir emoções, saudades, momentos que ficarão para sempre na memória. Em lume brando… tão fora do frio do frigorífico onde tantas vezes tento guardar o que sinto. Penso mais em mim. Ainda não sei onde quero estar, mas em todo o lado sei que tenho motivos para ser feliz. O mundo é um lugar bonito… Não consigo chegar a mais nenhuma conclusão. Mas, por agora, é isto que me apetece cantar. Enquanto decido como recomeçar a cozinhar.