sábado, junho 27, 2009

Suspiros com molho de "soulstorm"

Numa semana de revolução interior, volto a sentir: não quero ficar para sempre agarrada aos tachos com que cozinho actualmente. Comida portuguesa não fará também para sempre parte do meu menu. A aventura gastronómica passará por outros sabores, estou certa. Não quero estar demasiado longe, mas também não quero estar cá por obrigação. Jornalismo faz as minhas delícias, mas todo o stress e competição que acarreta não fazem parte dos ingredientes que ambiciono no meu prato a longo prazo. Quero desafio, mas também simplicidade. Concluo que só depende de mim.
O prazo está marcado. Desde ontem. Até lá, é tempo saborear os obstáculos inerentes à vontade de mudar. Com Patrice a quebrar o silêncio esmagador dos meus pensamentos, foi em verdadeiro “soulstorm” que ontem à noite suspirei às escondidas.

quarta-feira, junho 24, 2009

Especiarias de Marrocos

Especiarias de Marrocos a reter (para sempre) na memória:

- A mistura de cores, sons, cheiros e pessoas na Praça Jema el-Fna
- As estradas cujo fim é no infinito
- O silêncio esmagador do deserto
- As gargalhadas indescritíveis do nómada Omar a quebrarem o silêncio do deserto
- O sorriso aberto do Simo e de toda a família
- O passeio de mota nos subúrbios de Marrakech
- A noite passada a ver as estrelas no terraço no hotel da Garganta do Dadre
- As crianças… aquelas crianças
- As negociações no souk
- A maravilhosa sensação de andar perdida na Medina de Marrakech
- A imponência do Grande Atlas
- Andar à chuva no meio do calor
- As dores no rabo depois de duas horas num camelo
- A refeição onde partilhei o prato com outras dez pessoas
- O cd que ouvi 8 horas em repeat porque não havia outro…
- Os abraços na despedida :)
- A frase a marcar o regresso: "O consulado do meu coração não te dá visto de mais de uma semana fora daqui"

segunda-feira, junho 22, 2009

Couscous marroquino

Amarelo como o sol, picante como o que de melhor tem vida. Vegetais como recheio saudável de um dia-a-dia onde a felicidade existe mesmo quando se tem pouco. Deve comer-se com as mãos, partilhando com família e amigos um único prato de barro. Sinal da união, simplicidade e partilha que reina em cada casa, seja em montanhas rochosas ou em areias do deserto. Entre mulheres de rosto tapado e homens com ar supostamente austero, em Marrocos é assim. E só quando se entra no seio familiar desta gente é que se percebe a sua essência… que afinal é tão doce como uma tâmara.
Na bagagem, foi com lembranças de abraços, sorrisos genuínos, negociações acesas e gentileza sem limites que voltei a Portugal (mais uma vez) com a certeza de que não fui feita para viver naquilo a que chamamos de primeiro mundo. Para mim, a vida será sempre como cozinhar couscous marroquino. Simples.

quinta-feira, junho 11, 2009

Caracóis

Se numa panela de pressão cozinharmos uns belos quilos de caracóis, a lentidão intestinal é garantida. Posso juntar oregãos, picante... molhar o pão com avidez, mas a vida passa-me à frente dos olhos lentamente, como se me obrigasse a rever os erros, os enganos e as mentiras que nunca realmente quis ver.
Enquanto (im)pacientemente mexo os caracóis na panela, sinto-me em slow motion. Como se o dia-a-dia de repente tivesse ganho outra velocidade... e tudo me parece lento demais. Há uma ansia novamente a ferver em mim.
Apercebo-me da minha capacidade de dar. Quando realmente quero, sou capaz literalmente de atravessar o mundo. Hoje, atravessar o Tejo parece-me longe demais. Estarei azeda? Ou será que o meu coração também ficou mais lento? Pode ser que o deserto me dê a resposta.

quinta-feira, junho 04, 2009

Agua das Pedras Vs Gin Tónico

Numa altura em que devia andar a beber água das pedras começo a perceber que o gin tónico é melhor opção para manter a cozinha no seu nível mais gourmet. Na verdade, não gosto de perder tempo a tentar usar pedras para resolver os meus problemas de estômago. Prefiro a frescura da subtileza e um pouco de tonificação mental. Ao estilo de Chris Isaak: “I did a bad, bad thing… and (don’t!) feel like crying”.

terça-feira, junho 02, 2009

Alheira (de caça)

É engraçado como os alimentos que mais respeitam o nosso trânsito intestinal são aqueles com que fazemos os maiores abusos. Uma alheira (de caça) não tem digestão fácil, mas o certo é que a satisfação que me continua a proporcionar vai muito além da gula. Há um respeito genuíno para além do picante. Uma vontade real de estar no meu prato naquele momento. Mesmo que para ambos seja apenas um banquete rápido de emoções.
É essa sinceridade, sem duplos sentidos, que me faz ser fã da alheira (de caça) e deixar definitivamente de criar expectativas com saladas, sejam elas de longos espargos insonsos, ou de repetitivos pepinos que (ainda) só se sentem confortáveis na horta.
Para compensar a indigestão do cansaço, por aqui voltou-se à era dos exageros. Mas só com aqueles que sabem aprecia-los devidamente.