segunda-feira, julho 26, 2010

Açorda de alhada

Quantas vezes teremos nós de desfazer a nossa côdea mais rija em agua fresca, para resolver as alhadas que os outros insistem em pôr ao lume… mesmo sabendo que serão indigestas no fim?
Entre soluções de coentros picados à pressão e temperos com sal a mais, não recuo. Visto o avental que não é o meu, abro o tacho, vejo que sabor positivo ainda consigo dar às alhadas e componho o prato final sem que ninguém dê conta. Como sempre.

sexta-feira, julho 23, 2010

Alteração no menu

Mudei de cozinha. Troquei o vazio de uma mesa cheia pela imensidão do calor de um tabuleiro solitário. Virei mais doze páginas do meu calendário pessoal. Abri a porta. Por tudo isto, decido cozinhar para uma pessoa especial: eu.

sexta-feira, julho 16, 2010

Tapas

Desligo o fogão. Tiro o avental. Solto, finalmente, o cabelo. Chegou o descanso. Num fim-de-semana que promete abusos e partilhas gastronómicas, tudo começa assim. Entre tapas.

quinta-feira, julho 15, 2010

Meloa com presunto

Nunca tinha achado que elas tivessem dimensão suficiente para encher a barriga a alguém. Poderiam talvez ser uma saborosa entrada, mas nunca um prato principal. Até que lhe abri a porta da minha cozinha e o deixei sentar na minha mesa.
"Adoro-as". Com aquele sorriso cru, pesou-as com a mão e repetiu: "Adora-as". Por cada talhada de meloa que ele sofregamente cortava, eu respondia com incursões às fatias de presunto ainda mal curado de outras refeições pesadas... Por vezes surpreendemo-nos com os sabores mais simples que se tornam em verdadeiros pratos gourmet. Um em cima do outro, nunca a meloa com presunto soube tão bem.

domingo, julho 11, 2010

Sumo de limão

Mesmo um limão de aparência mole pode ser azedo. Muitas vezes só o descobrimos quando o levamos ao espremedor da vida. Sentimo-lo a escorrer, tocando-nos na ponta dos dedos. Quando nos faz arder a pele inesperadamente, é sinal que não é bom para o sumo que gostamos de ter por opção na nossa mesa. O que sobrou dele vai para o frigorífico, onde as temperaturas frias tornarão mais fácil o contacto diário. Pelo menos na minha cozinha é assim. Deixei de me cansar com azedumes.

sábado, julho 10, 2010

Sopa de letras

De uma maneira ou de outra, fazer o caldo quase todos sabem. Mas escolher as letras certas para sopas que marcam despedidas nem todos conseguem. Há pessoas que devemos deixar ir. Mesmo que seja por um dia, uma semana, um mês, um ano ou, quem sabe, uma vida.
Não gosto da palavra adeus. Opto por um "até já" quando sei(!) que vou ter saudades. E se até isso me custar a dizer, substituo quaisquer letras por um sorriso sincero. O mesmo que estará cá no dia do regresso.


PS - É com orgulho que cozinho este post.

quinta-feira, julho 01, 2010

Pêssego sem calda

Fazer uma sobremesa de pêssego pode ter muito que se lhe diga. É fácil empanturrarmo-nos com aquele em calda, mais acessível, com lata… bem à espera de ser comido. Mas, invariavelmente, na minha cozinha prefere-se uma escolha que inclua trabalhosas idas ao pomar, em busca do fruto mais genuíno. Por vezes em encantamentos rápidos, outras em verdadeiras doses de intensa gula emocional.
Mas o pêssego troca-nos as voltas quase sempre. Podemos sentir a ternura do seu lado mais macio, descascar-lhe essa pele aos poucos e ter uma verdadeira noção do seu aroma. Podemos sentir o seu sumo a escorrer-nos pela boca vezes sem fim, parti-lo em pedacinhos pequenos para descobrir todas as nuances da sua cor. Ele dá-se às nossas mãos. À nossa faca, que descasca as suas verdades eternamente escondidas do resto do pomar. Mas o que é certo é que podemos passar 100 dias a cozinhá-lo, 100 noites a come-lo, e na realidade nunca chegamos a conhecer o sabor do interior do seu caroço. Não sei se vai ser sempre assim, mas eu continuo a vaguear no pomar com o mesmo encantamento... e sem pressa.