domingo, agosto 29, 2010

Refresco de mar

Houve alturas em que achei que a culinária da vida era como um rio. Hoje, acho que é como o mar. E enquanto as ondas vêm e vão, aqui pela cozinha deixo-me refrescar, embalar, invadir e arrastar... ao som disto:

quinta-feira, agosto 26, 2010

Salgados

Há algo de profundamente saboroso em planear uma incursão a cozinhas longínquas. Um friozinho na barriga que anuncia a fome. De novidade. De descoberta. De entrega.
Troco receitas com chefs do outro lado do oceano e vou decidindo, especiaria após especiaria, que menu tentarei degustar. Não há grandes planos. Apenas vontade. E uma escolha feita já à partida:
Sal. Do que faz arder os olhos. Do que corta a pele. Do que em excesso nos provoca tonturas. Do que nos faz ter de respirar fundo. Em preparações entre os tachos, decido que, mesmo não indo para lá do sensato, os salgados serão parte obrigatória da jornada gastronómica pelo sul.

sexta-feira, agosto 20, 2010

Sushi com wasabi derretido

Na minha cozinha o fascínio do sushi tem-se baseado na crueza. No sabor mais puro, tal qual como ele é. Sem disfarce de pitadas de especiarias. Podia até gostar do lado por vezes peganhento do arroz, mas nada como aquele aroma a verdade rude e absoluta para encher as medidas das minhas incursões em pratos experimentais.
Contudo, foi o factor wasabi que – como em tantas outras vezes – me arrebatou continuamente, enredando-me nas algas que, volta não volta, me foram tirando do sério. Não gosto de me enganar nas receitas, portanto limitei-me a ver o seu lado cru e picante. Até que um dia o wasabi derreteu por entres os paus e usou a palavra amor. Abri a boca, que a única coisa que foi capaz de dizer foi um sorriso. Com as voltas trocadas, reli a receita, em todas as suas entrelinhas, e percebi que às vezes é preciso isto para (voltarmos a) acreditar.

sábado, agosto 14, 2010

Café de filtro

Sempre achei que não deviamos usar filtros no que toca à partilha de cafés. E é o que faço (e me fazem a mim), numa manhã perdida no meio da semana.
Nesse dia chego à cozinha muito antes de qualquer chef de letras gourmet. Cumprimento-as com um bom dia e um sorriso. Dou-lhes uma pitada de música alta, enquanto ambas nos dedicamos aos nossos diferentes refogados. Um dia convidam-me para partilhar com elas o café. Rostos que tantas vezes passam simplesmente despercebidos a quem partilha a cozinha de letras comigo. Aceito, com prazer, entrar no seu mundo... num momento de cozinha de fusão. E foi-se tornando um hábito.
Sem filtros, explicamos umas às outras as nossas profissões. Enquanto bebo o café da cor delas, não posso deixar de as admirar pelas suas histórias repletas de sacrifício e coragem. Mulheres que se desdobram na vida, sem que ninguém lhes bata palmas no fim. A conversa é sempre rápida, no início tímida, mas por fim de uma sinceridade comovente. São dez minutos que me fazem sempre pensar. Que me fazem perceber que um sorriso quebra barreiras com muita facilidade. E que são os pequenos gestos que nos enchem a alma.

segunda-feira, agosto 09, 2010

Figos

"Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos"

E no chão, percebo que não é este figo apodrecido que quero ser.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Gelatina

Há alturas em que apetece solidificar tal qual gelatina e ficar parada. Sem tremer. Simplesmente a observar a vida. Até ganhar fôlego para conseguir deixar a colher entrar e abrir-me o interior. Para nunca mais fechar.

terça-feira, agosto 03, 2010

Comida de hospital (emocional)

Faço arroz branco para suavizar os estomagos mais doridos. Grelhados e saladas para aqueles que estão em risco de o ficar. Corto fruta fresca aos bocados e ofereço-a para que os sorrisos que me rodeiam continuem saudáveis. Fervo água para chás quentes que acalmam invariavelmente digestões difíceis. Ponho amor em todas estas receitas. Mais uma pitada de compreensão e uma raspa de dedicação sincera. Mas quando páro e penso, chega-me à boca muda a eterna questão: e de mim, quem toma conta?

segunda-feira, agosto 02, 2010

Pão com manteiga

Ele sai da caixa escura. Ela sai do frio. Encontram-se na esquina de uma qualquer bancada de cozinha. Há muitos cheiros e sabores à volta mas ambos sentem imediatamente a presença um do outro. Ela pressente que lhe poderá saltar a tampa a qualquer momento. Ele abre-se, sem pensar, deixando o miolo à mostra. Ela derrete. Ele deixa-se barrar. Sentem a leveza da forma como deslizam nos seus componentes mais íntimos. E também a intensidade calórica que lhes faz mais mal do que bem. Mas quando querem voltar atrás percebem que estão demasiado entranhados um no outro. Há atracções assim. Como o pão com manteiga.