sexta-feira, novembro 25, 2011

Massa caseira quebrada

Não há segredos: tudo se resume a horas a amassar e eu sei disso à partida, muito antes de sequer acender a luz da cozinha e vestir o velhinho avental. Deparo-me mais uma vez num duelo, frente a frente com a bancada onde perduram pedaços de massas antigas que foram ficando ressequidas com o tempo, mas que nenhum dos meus esfregões consegue limpar. Sei que nunca terei uma bancada imaculada, mas também não duvido dos belíssimos petiscos a que ali ainda darei sabor.

Despejo a farinha e deixo-a cair como chuva à minha frente. O dia lá fora também não é de sol. Junto-lhe a água, que deixo escorrer num pequeno fio apenas para ouvir aquele som que me faz sempre fechar os olhos e inspirar fundo. Por fim, retiro a manteiga do frigorífico e faço o que posso para misturar a sua consistência rija. Amasso, amasso, amasso. Vejo os minutos, que parecem horas, a passarem lentamente. E eu simplesmente deixo-me ficar a amassar em silêncio, socando as angústias eternamente guardadas no pacote da farinha. Não há outra forma de o fazer. E eu, que ainda achava que sim, volto ao velho silêncio que há muito não tornava tão ruidosos os ponteiros do meu relógio da vida.

Ponho as mãos naquela mistura crua e amassada que se cola à minha pele como se dela fizesse parte, sabendo que, na realidade, nunca deixou de fazer. Também sei que, por mais que amasse, ela nunca sairá quebrada. Nunca saiu. Mas mais uma vez deixo-me ficar exausta até chegar a esta conclusão.

E desligo a luz para descansar, sem conseguir lavar o balcão.

quarta-feira, novembro 23, 2011

Talhadas de melancia


É uma fruta de uma simplicidade tão grande, que se torna complexa. Que nos refresca todos os sentidos, que nos aquece os cantos da boca que não se cansa de a trincar repetidamente, com toda a urgência mas sem a ansiedade de outros frutos de gula. Leve para o estômago, tem também activos poderes nas questões de circulação no coração. É sumarenta, com aquele tipo de sumo que nos escorre pelo queixo e se cola à pele de uma forma tão natural, mas que dificilmente de lá sairá. E eu, que descobri finalmente as maravilhas de se andar lambuzada de melancia, não tenciono usar o guardanapo.