quinta-feira, agosto 30, 2012

Bife de tigresa

Há algo de profundamente primário na gula que a carne de tigresa desperta. Para minha surpresa. Aqui na cozinha decidimos incluir este padrão num empratamento que tem mais de gourmet do que de debochado: o peito ficou fora da vista. Das coxas - que aqui digamos que sao bem recheadas - há apenas um pequeno vislumbre. À partida, a mistura nada tem de picante mas, invariavelmente, a língua de quem pousa os olhos nesta carne arde com malaguetas verbais indiscretas. Não sei se serão os meus longos e desalinhados fios de ovos a esvoaçar (que no verão ganham sempre um tom mais dourado e apetecível) que ajudam a chamar à atenção, ou se, porventura, os chispes de tigresa adornados de molho cor-de-rosa também ajudarão à festa. Mas o que é certo, é que há muita gente a salivar por este naco e a dizê-lo com todas as letras. E eu não gosto de me sentir caça grossa.
Sem falsas modéstias, até pode alimentar o ego mas a verdade é que é embaraçoso na maioria dos casos (e não quero com isto dizer que só os homens das obras e afins andam cheios de apetite, entenda-se...). Eu quero acreditar que a culpa é do verão. Porque o calor do forno desta cozinha não está minimamente para aqui virado... E o bife de tigresa não está disponível no menu.


quinta-feira, agosto 23, 2012

Vinho Sexy


As cores da garrafa nesta edição de verão não enganam. Consta que é um vinho cheio de emoções. Generoso, exuberante, fresco, com leve acidez e doçura. Dizem os produtores que tem (olhos) de amarelo citrino, com bom volume e aroma a toranja e folha de chá. Secretamente, aquece o conjunto com notas de pêra (que o seu corpo forma), especiarias e nata, terminando em boa persistência.

Cada um de nós tem a sua maneira muito própria de ser sexy na culinária da vida. E eu digo que este vinho foi feito a pensar em mim.


segunda-feira, agosto 20, 2012

Café cósmico

Nos últimos dias falaram-me muito de café turco. Reza a lenda, mantida ainda por tanta gente nos dias de hoje, que o futuro pode ser lido na borra que fica no fim. Mas aqui na cozinha o que gostamos mesmo de beber é o café cósmico... onde o creme fala mais alto e revela aquilo que nós somos e queremos. E a vontade de beber o mundo é a sina que há no meu.


terça-feira, agosto 14, 2012

JB Reserva 15 anos


Olho para a garrafa e parece-me um néctar divino, enviado pelos deuses directamente para a bancada da cozinha. Nunca fui fã de whisky, mas descubro-lhe o potencial numa noite em que tudo está tingido de cinzento. Consta que é um JB Reserva 15 anos. Os apreciadores dizem que é bom e eu, ao bebe-lo pela primeira vez, tenho de admitir que o gosto me surpreende. Sinto-o a queimar-me as gengivas e as bochechas. Deixo-o inundar a minha boca até já não arder e ficar simplesmente dormente. Aquele gosto intenso torna-se suave. Assim como a terrível dor de dentes que há dias sobrevivia a doses mais do que recomendadas de analgésico. 

Nunca pensei recorrer aos 40% de álcool de um whisky com fins terapêuticos para o corpo. Para a alma. talvez. Mas o que é certo é que fiquei fã de JB. E por fim consegui dormir.

sexta-feira, agosto 10, 2012

Cozinha de rua


Porque há ruas onde tudo ganha um novo paladar. Onde sabores se misturam num só e mudam o rumo de toda a culinária da vida. Onde sabe sempre bem voltar.


quarta-feira, agosto 08, 2012

Pêras com creme Nívea?


Há gostos gastronómicos estranhos, é certo. E se havia coisa que eu gostava em miúda era de ir para a praia. A pele bem salgada, os dedos engelhados, eu aos saltos, incansável dentro do meu fato de banho com folhinhos cor-de-rosa. E onde está a parte estranha disto? Calma, já lá chegamos. Lembro-me de chegar a casa e ir para o habitual banho da praxe tirar os quilos de  areia de cima. E depois vinha o creme Nívea, aquele que dá para o corpo todo e que, passados quase 30 anos continua a ser o de eleição lá em casa. A minha mãe lambuzava-me de hidratação, enquanto eu própria, ao mesmo tempo, me lambuzava de gula a trincar pêras. 

O sumo invariavelmente escorria-me pelo queixo e misturava-se com o creme. A mistura dos dois reunia-se à passagem da minha pequenita língua, em tentativas vãs de limpar a boca. Gostava daquela mistura de sabores. Tanto, que um dia dei por mim a barrar uma pêra com Nivea e a comê-la com elevada satisfação. Foi nesse momento que, do alto dos meus 5 ou 6 anos,  percebi o que era ser gourmet. Que não há nada como ser criativo na cozinha. Arriscar. Sair da caixa e experimentar o que não é óbvio. Que as misturas mais improváveis podem dar certo. Que a culinária da vida não se resume a um monte de receitas já escritas por outros.

E o que é certo é que ainda hoje gosto muito daquelas pêras com creme. E o meu estomago nunca refilou.

terça-feira, agosto 07, 2012

Cozinha pouco católica



É por estas e por outras que na minha cozinha não se cozinham hóstias. Somos pouco católicos (entre outras) e  gostamos muito do primeiro pecado capital. Porque lavagens cerebrais e dogmas incoerentes, onde reinam a culpa e o medo em prol da suposta protecção divina, não têm espaço entre estas panelas sagradas da vida. Venha a nós a gula e seja feita a nossa vontade de cozinhar os mais deliciosos petiscos. Sem obrigações.

segunda-feira, agosto 06, 2012

Torradas de pão de forma


Só quem nunca teve a sorte de as comer é que pode dizer que este pão é artificial. Torradas de Panrico bem tostadas do sol, com um bocadinho da manteiga derretida do meu coração em cima e uma dose de doçura de morango, para arrematar, são de comer e chorar por mais. Salpicado pelo sal do mar ou pelas Estrelitas dessa grande tijela que é o céu no meio do campo, o pão de forma é a comida oficial deste verão. Porque andar com o pé na estrada faz bem ao estomago.


sexta-feira, agosto 03, 2012

Tinto Ilógico



 “Forte, intenso, provocador, potente, garrido”, li no blogue de um escanção. Chama-se Ilógico e é natural da margem sul do rio. Com aroma de frutos vermelhos, é um tinto encorpado, com boa acidez e elegância. Muita elegância. Envolve-me com a sua consistência, com o travo inconfundivel que apetece ao almoço, ao jantar, à ceia. A qualquer hora do dia. O seu gosto perdura na língua e é impossível beber só um copo. A minha boca pede a garrafa toda. Sem pudores. E a cada trago que bebo diariamente, sinto-me mulher. Chico Buarque explica porquê:


quinta-feira, agosto 02, 2012

Mel e piripiri


O segredo para elaborar um prato docemente picante até é simples: dedicação, imaginação e seriedade, em doses talvez ainda maiores do que as usadas noutros temperos. E este tempero, com sabor a mulheres e sexo, demorou muito tempo a fazer. Porque não é no microondas que se fazem refeições sobre a vida real. 
Na realidade, foram precisas muitas horas a ouvir, a anotar e a escrever histórias. Depois foi preciso cozinhá-las em lume brando, sempre a mexer até conseguir chegar a uma consistência que fizesse jus ao sabor condutor intenso da vida de uma mulher, que acabava por contar as peripécias de tantas outras. Cozinheiras da vida como eu. Como vocês, mulheres, que estejam a ler isto. Filhas, mães, avós, amigas, conhecidas, colegas, casadas, solteiras, enamoradas, amantizadas, tímidas, ousadas, discretas, espampanantes. Mulheres reais. Com mel e piripiri.
Nunca tinha escrito sobre esta sopa de letras picantes (e não só) por aqui, mas o verão chegou à cozinha e achei por bem deixar a sugestão de leitura gulosa. Diretamente do meu fogão para as vossas lancheiras de férias: "Os Segredos da Maleta Vermelha"

"Abra a maleta e venha espreitar um mundo feito de mel e piripiri que rompe com
 falsos mitos, onde cabem histórias reais de gente empreendedora, 
algumas gargalhadas e muito prazer sem complexos"

 



quarta-feira, agosto 01, 2012

Pizza com sabor a Oriente

Por falar em verão e férias, a minha cozinha começou a cheirar a lahmacun. É feita no forno a lenha, leva molho de tomate e carne picada, mas não tem nada de italiana. Parece uma pizza, mas não é. Pode também parecer, à partida, bem ocidental, mas no fundo tem um paladar mais do oriente. E consta que é uma das iguarias que vai passar pelo meu menu quando fizer a minha merecida pausa anual. Lá para os lados da Turquia. Penso nisto enquanto folheio o livro de receitas turcas e concluo que gosto destes pratos onde nem tudo é o que parece e os sabores se misturam lentamente após se darem a conhecer. Porque na culinária da vida, os melhores pratos são aqueles que se vão descobrindo aos poucos. Com avidez constante. 


Ovos estrelados de verão

Chegámos a agosto, como manda a tradição: com calor! Mas na minha cozinha, ficar a estrelar na praia só mesmo daqui a quase dois meses... até lá, vou imaginando como seria estar de papo (seco) para o ar, enquanto vou cozendo a minha caixa de ovos embrulhada em trabalho. Muito trabalho.