domingo, abril 24, 2011

Mistura de vegetais

Houve quem os descascasse, camada por camada, sem sequer ter a real noção de que o estava a fazer. Mas houve também quem a tivesse toda. O que fazer com essas cascas, empoeiradas pela terra da horta regada a lágrimas escondidas, é que ninguém soube. Nem sei se algum dia saberá.

Olho para o caixote ao lado do fogão e vejo os despojos. Amarelecidos por emoções desgastantes. Pisados por mãos descuidadas. Por tantos excessos que nunca serão demasiado excessivos. Por silêncios que dizem mais que mil palavras, mas que apodrecem a frescura que ainda lhes era devida. Cascas de mil cores e texturas. Àsperas. Macias. Rugosas. Cinzentas, mas com genuina cor.

Em pedaços, o miolo de todas ela observa-se. Sabendo que as restantes camadas serão cada vez mais difíceis de arrancar. Não porque não tenha vontade. Apenas porque não consegue ceder a mais mãos daquelas. Nem das outras. Porque o que um dia foi um cesto de verduras resplandecentes na bancada da cozinha é agora um discreto saco de vegetais congelados. Aberto aos temperos da culinária da vida mas eternamente conservado no frio. Com medo de se queimar.

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