O temporizador apita, dando
por findas as longas horas de cozedura em lume brando. Os polvos mexem-se
lentamente dentro do tabuleiro. Entrelaçam os tentáculos como se não o tivessem
ouvido e deixam-se embalar naquele caldo de ternura em que estão envoltos. Pela
porta do forno vêem-se os primeiros raios de luz que batem na janela da
cozinha. Mas eles não querem sair daquele calor que os torna mais tenros.
Rebolam para um lado do tabuleiro, depois para o outro. As ventosas da vontade prendem-nos e eles gostam dessa sensação. A posição nem sempre é a mais confortável, mas nenhum deles quer
saber. Aquele calor apura-os. Por vezes a malagueta que ficou a boiar no caldo de ternura desde a hora
em que foram postos ao lume larga mais um pouco do seu aroma picante. E mexem-se
mais um pouco no tabuleiro. Por vezes é simplesmente na inércia dos sabores semi-adormecidos
que se deixam ficar. E é naqueles momentos, em que o silêncio da cozinha só é
quebrado pelas pitadas matinais de beijos sonolentos com tentáculos
entrelaçados, que os polvos sentem que lá fora todos os refogados do mundo
pararam. E é com muito esforço que se largam. Mesmo sabendo que depois de enfrentarem
os pratos do dia, é ali que se voltarão a encontrar novamente.