quinta-feira, outubro 29, 2009

Digestivo

Pela primeira vez nao tenho vontade de voltar para a minha antiga cozinha. Nao ha uma ansia por chegar a casa. As saudades, embora muitas, nao me esmagam o coracao. Aqueles que amo estao sempre presentes, disso nao tenho duvidas.
Decido passar o meu ultimo dia desta viagem sozinha. Durmo na praia. Leio. Olho para o mar de Bali e penso em tudo e em todos que conheci durante este mes. Cai o sol, vejo tudo em tons laranja. Filhos e pais brincam dentro de agua como se fosse fim-de-semana. Oico os miudos a rir alto. Sabe tao bem. A calma que experimento enche-me o coracao. Como se tivesse descoberto o meu lugar.
Sei que um dia vou aqui voltar. Talvez volte a chorar sozinha sem qualquer motivo. Apenas porque a emocao paira no ar. Porque aqui me sinto em paz. Como ha muito nao sentia.

quarta-feira, outubro 28, 2009

Sopa de astros

Na minha cozinha acredita-se que o rumo da nossa gastronomia esta relacionado com a sopa de astros sob a qual nascemos. Talvez por estar a passar por uma das fases mais confusas da minha culinaria da vida, cedo a vontade e acabo numa consulta astrologica em Bali.
Durante uma hora leem a minha vida. Dizem que nesta encarnacao estou ca para aprender a passar a palavra, mas num nivel mais baixo. Consta que sou esperta demais. Que noutras vidas terei tido o dom da palavra... e que nesta tenho de aprender a gerir toda a sabedoria sendo apenas uma rapariguinha num pequeno pais chamado Portugal.
Dizem-me que, por mais que o ponha em causa, o meu trabalho sera sempre preponderante no meu destino. Quero ajudar a salvar o mundo (quem diria?). Ao que parece os meus tachos vao dar que falar. Vou-me relacionar com gente influente... embora nao goste muito de pessoas dominadoras. Vivo, por isso, num constante duelo entre a grandeza e a simplicidade. E ao que parece que nunca vou chegar a decidir...
Diz o mapa que terei filhos. Muitos. Sorrio. Mas tera de ser com alguem que realmente esteja presente, porque a minha vida vai ser sempre um corropio de linhas no meu mapa. Assusto-me. Nao sou grande espingarda nisto do amor. Consta que gosto de pessoas fortes. Com atitude. Que percebam o que me vai na alma... mas que nao me tentem controlar. Que estejam la para me proteger mesmo quando eu faco ar de forte. Nao sera facil.
Diz a sopa de astros que Portugal torna-se pequeno demais cada dia que passa. Ou aprendo a viver por la sem me sentir frustrada... ou sigo para os tres destinos onde o meu mapa astral indica que terei tudo para ser bem sucedida nos mais diversos aspectos: Japao, Indonesia ou Argentina. Nao posso deixar de ter vontade de rir com as opcoes. A vida revela-se ironica quando menos esperamos.

terça-feira, outubro 27, 2009

Pink Treat

Bebo-o numa quinta organica no interior de Bali... entre campos de arroz e cabanas de bambu. Trata-se de um mistura explosiva, mas saudavel: ananas, maca, cenoura, beterraba, limao, hortela, e mel. Tal como o almoco de hoje: Portugal, Canada, Colombia, Franca, Australia e Bulgaria na mesma mesa. Conversas sobre o sentido da vida. O gosto pela viagens. O sentimento de calma transmitido por Ubud. Risos que nao se esquecem. Caras cheias de sonhos simples... depois de ja terem experimentado a dita vida normal a que todos os cozinheiros sao expostos desde que nascem.
Aqui ninguem quer ter um carro topo de gama nem uma grande casa. Todos procuram apenas as coisas simples da vida. As melhores. Aquelas que nos enchem o coracao. Os pequenos momentos de felicidade. Tempo.
Na minha cozinha gosta-se destas grande misturas. De sentir que os tachos estao abertos a todas as pessoas. A todos os momentos. A tudo o que nao vem num catalogo. As coisas reais.

domingo, outubro 25, 2009

Coco

Indonesia. Talvez o destino mais desejado de toda a minha viagem. Sem avental, percorro de carro a longa estrada pouco recta que me leva ate Ubud, no interior de Bali.
Vejo mulheres com idade para serem minhas avos com o peito descaido, sem qualquer camisola vestida (nem vergonha da sua idade). Vejo criancas que cantam na beira da estrada. Vejo sepulturas em jardins, porque (aqui) os mortos estarao para sempre presentes. Sinto uma serenidade como ha muito nao sentia e dou por mim a chorar. Em silencio. Sozinha. Feliz.
No meio de todas estas emocoes impera um ingrediente: o coco. Saudavel e simples, mas sofisticado... como quase tudo em Ubud. Janto comida tipica feita em oleo de coco. Como a melhor panqueca da minha vida... com banana e leite de coco. Sigo a cerimonia de oferendas aos deuses onde sao entregues pedacos de coco. Sou recebida por um canadiano que me leva de mota pelos campos de arroz e me adormece com musica de meditacao e incenso com cheiro a coco.
Perco-me pelas ruas de Ubud. Uma familia de patos interfere com o transito mas ninguem se parece aborrecer. Deixei de querer saber das horas. Leio numa loja "O passado e historia. O futuro um misterio. O presente uma dadiva". Sinto (finalmente) a compreensao dessa mensagem a percorrer-me a mente.
Decido que me devo mimar. Durante uma hora entrego-me a uma massagem balinesa com oleo de coco. Faz-me doer a pele. Mas o cheiro entranha-se como se fosse ficar para sempre. Na Indonesia a minha cozinha passou a cheirar a coco. Quando voltar para Portugal nao sei que cheiro tera. Mas nunca mais podera ser o mesmo.

quinta-feira, outubro 22, 2009

(Pouco) gourmet

A cozinha ficou vazia quando decidi partir por um bocado. Nem o meu coracao la deixei a marinar. Trouxe-o, dentro de uma arca frigorifica entreaberta, em busca de uma resposta que (ainda) tarda a chegar.
Muitas vezes nao sou eu que dito os ingredientes... mas inevitavelmente deixo-me levar com a vontade de chegar ao mais desejado de todos. Talvez o mais simples, mas ao mesmo tempo o mais complicado. Acredito que os sabores que me dizem serao reais depois de alguma prazeirenta cozedura. Sei que nao me devia desiludir, mas desiludo. Sou assim. Concluo que nao ha pratos imaculados. Que a percepcao de uma receita difere de pessoa para pessoa. Mas ha sabores que nunca deveriam ficar amargos. Hoje, o meu ficou. Amanha o gosto sera outro. (Conheco-me).

quarta-feira, outubro 21, 2009

Pad Thai

Mistura-se a massa fina que se entrelaca de mil e uma formas... e que nunca se chega a descolar. Juntam-se os vegetais que tanto sao refrescantes como tambem podem ser picantes e ate mesmo amargos. Salteia-se em molho de soja de uma parte distante do wok para a outra... e por fim juntam-se os amendoins. Por vezes este ultimo ingrediente nem se nota... fica disfarcado la no meio. Mas quando nao esta presente sente-se a falta. Felizmente podemos ser supreendidos com um bocadinho de amendoim ralado.... inesperado, num frasquinho fechado ao fundo da mesa. E, de repente, apercebemo-nos que sem ele o Pad Thai tinha perdido todo o sabor.

Paradise soundtrack:

Arroz cozido

Acordo por volta das 5 da manha em Luang Prabang. Hora de ir alimentar os monges com cestinhos de arroz. Embora nao seja dada a grandes rituais religiosos, embarco nesta missao seguida a risca por tanta gente do Laos.
Vestidos de cor de laranja eles passam por mim. Meto a mao no arroz, faco uma bola e ponho dentro das tacas que cada um transporta. A aragem fresca bate-me na cara. As maos ardem-me... mas nao posso (nem quero) parar. O arroz alimenta-lhes o corpo para depois poderem rezar pelas nossas almas. Nao ha mais comida... So o tao simples arroz.
Apercebo-me que o que alimenta o corpo muitas vezes tb nos alimenta o espirito. Gosto do arroz assim. Sem qualquer ingrediente adicional. E percebo: cada vez aprecio mais as coisas simples. Aquilo que nao tem duplos sabores. O que me faz sentir tranquila. E nao interessa se nao ha colher e temos de comer o arroz com a mao ou ate mesmo com os complicados pauzinhos: o que e simples nao tem de ser facil... apenas genuino. Com sincera vontade.

sábado, outubro 17, 2009

Cafe do Laos

Z: Porque uma mulher bonita e inteligente como tu nao tem namorado?
P: (silencio) Acho que eles tem medo...
Z: Nem mais. Chegaste a essa conclusao cedo, mas ainda bem. Os homens ficam intimidados com mentes brilhantes.
P: Talvez seja por isso que me envolvo quase sempre com homens mais velhos.
Z: Novos ou velhos eles vao sempre sentir inveja de seres bem sucedida. Nao gostam de mulheres independentes... e olha que sei do que falo.

Zahora tem 68 anos e anda a viajar sozinha pelo sudeste asiatico ha tres meses. Ha vinte anos deu a sua primeira volta ao mundo em busca de novos sabores para a sua culinaria da vida. Pelos vistos, ainda continua a querer encontrar mais. Quis o destinos que nos cruzassemos em Luang Prabang. Tres jantares com muitas conversas que podem ser comparadas ao cafe do Laos: forte e genuino. Sem acucar, sem natas... apenas cafe, com o seu lado mais negro, mas tb verdadeiro. A vida, com um grao de cafe num gigante saco onde outros milhoes se cruzam connosco todos os dias.
Mesmo com mais de 40 anos de diferenca, esta mulher revelou ter muito em comum comigo. "Nao ha fronteiras na vontade, depois de as quebrarmos no coracao". Aprendi.

domingo, outubro 11, 2009

(Dizem que os melhores pratos sao aqueles que demoram tempo a apurar. Hoje constatei que isso podera ser verdade.)
Sigo num autocarro rumo ao norte. Perco a nocao do tempo,mas opto por apreciar em vez de desesperar. Vejo templos dourados, campos de arroz. Casas sob estacas, barracoes deixados ao abandono. Velhos parados na beira da estrada, criancas sujas que brincam com nada... felizes. Pessoas sem nome que ficarao para sempre na minha memoria. Ao longe as montanhas... vegetacao que nunca verei no meu pais.
Sorvo cada hora por tras da janela. Cada minuto. Cada segundo... cada frame do meu pequeno filme. Como se tivesse direito a que o (meu) mundo girasse apenas a minha volta durante estes dias. O meu pequeno momento de egoismo.
A noite cai e fnalmente cumprimento o Mekong. Apresentamo-nos rapidamente. Nas luzes espelhadas nas aguas (que parecem paradas) vejo a forca da natureza onde deverei passar os meus proximos dois dias.
Enquanto espero pelo sono descubro que ha internet por aqui. Aptece-me partilhar a alegria que trago no peito. Hoje, nao havia outro lugar onde quisesse estar.

sábado, outubro 10, 2009

Cozinha em ferias

A gastronomia deve estar aberta a todas as realidades. So assim se pode cozinhar com novos aromas... E descobrir quao saborosa a vida pode ser. Com o fogao de ferias, os sorrisos tailandeses sao os ingredientes que mais tenho recolhido no meu caderninho das receitas. Entre incertezas vindas de longe e uma vontade imensa de viver este (meu) momento, estas sao algumas das novas imagens dos quadros da minha cozinha.

domingo, outubro 04, 2009

Noodles de alegria

Cozinhar noodles numa rua da Malasia exige uma arte. Viajar tambem. Diria eu que parte do segredo de confeccao parte de abrir a mente e tentar perceber a importancia de todos os sabores a que nao estamos habituados.
Depois de mais de 24horas em avioes chego aos noodles de Kuala Lumpur, onde se mistura o caos dos molhos de ostra de uma grande cidade, com a imensidao verde de uns arredores onde a vegetacao mais parece uma densa selva. Como nos melhores pratos, a simplicidade tem um aroma especial.
Entre contratempos, acabei por sair de Lisboa com um sorriso. Pela primeira vez tento seguir um conselho e nao olho para tras. A cozinha pode ter a luz desligada, mas os que fazem parte de mim continuam la. E ca tambem. Mas os noodles, recheados com alegria, nao devem ser esquecidos. E neste momento, sinto-me assim: