segunda-feira, março 21, 2011

Suflé de poesia

Há suflés tão simples como algumas palavras. No Dia da Poesia, sem sequer ligar o forno sirvo-vos esta massa crua que um dia foi cozinhada por alguém que já sentiu o mesmo no início da Primavera:

No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.

Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

Tal vez consumirá la luz de enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego.

"Querer", Pablo Neruda

sábado, março 19, 2011

À mesa com o solitário (III)

Ele: Estiveste doente e não me disseste nada. Não percebo.
Eu: Gosto de resolver estas coisas sozinha.
Ele: A última vez que fui ao hospital foi há muitos anos. Fizeram-me exames a tudo. Chegaram à conclusão de que não tenho coração.
Eu: Às vezes é melhor assim.
Ele: (acende o cigarro e abana a cabeça)
Eu: (franzo-lhe o sobrolho)
Ele: Não. Não queiras chegar a essa conclusão com essa idade.

domingo, março 13, 2011

Cozido à portuguesa

Movidos pelo sabor comum do descontentamento, trezentos mil ingredientes à rasca uniram forças na panela de pressão. Aos vegetais ainda tenros juntaram-se as carnes já enrijecidas por vidas difíceis. A fervura levantou rapidamente e os (dis)sabores de todos estes alimentos misturaram-se de uma forma única. Com emoção.
É certo que não é fácil juntar, de forma harmoniosa, alimentos distintos numa só receita. Houve muita gente com dúvidas sobre o sucesso do resultado final. Houve muita gente que desejava secretamente que acabasse numa tremenda indigestão ou azias agressivas. Mas não. E depois de ver morcela da extrema-direita lado a lado com chouriço de sangue da extrema-esquerda sem haver molho na travessa, consegui perceber o que realmente significa viver numa cozinha pacífica.
Foi especial. Mas só quem percebeu a tempo que este seria um cozido à portuguesa histórico e optou por fazer parte dele é que poderá compreender o significado destas duas palavras.

domingo, março 06, 2011

Maçã vermelha

De vez em quando o corpo obriga-me a parar. E é nestas fases que invariavelmente penso nas reais prioridades da minha culinária da vida. Morder e saborear calmamente a maçã continua a estar no topo do menu.