segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Polvo no forno

O temporizador apita, dando por findas as longas horas de cozedura em lume brando. Os polvos mexem-se lentamente dentro do tabuleiro. Entrelaçam os tentáculos como se não o tivessem ouvido e deixam-se embalar naquele caldo de ternura em que estão envoltos. Pela porta do forno vêem-se os primeiros raios de luz que batem na janela da cozinha. Mas eles não querem sair daquele calor que os torna mais tenros. 

Rebolam para um lado do tabuleiro, depois para o outro. As ventosas da vontade prendem-nos e eles gostam dessa sensação. A posição nem sempre é a mais confortável, mas nenhum deles quer saber. Aquele calor apura-os. Por vezes a malagueta que ficou a boiar no caldo de ternura desde a hora em que foram postos ao lume larga mais um pouco do seu aroma picante. E mexem-se mais um pouco no tabuleiro. Por vezes é simplesmente na inércia dos sabores semi-adormecidos que se deixam ficar. E é naqueles momentos, em que o silêncio da cozinha só é quebrado pelas pitadas matinais de beijos sonolentos com tentáculos entrelaçados, que os polvos sentem que lá fora todos os refogados do mundo pararam. E é com muito esforço que se largam. Mesmo sabendo que depois de enfrentarem os pratos do dia, é ali que se voltarão a encontrar novamente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tal simbiose de palavras trás, assim, a poesia até á cozinha...Muito linda esta dissertação sobre um pratotão do nosso agrado. Que inspiração niña! Parabéns...