domingo, junho 27, 2010
Sandes de salpicão
Abre-se o pão com a mão até se sentir o miolo a dar de si entre os dedos. Não se perde tempo a barrar manteiga. Sente-se o estômago a falar mais alto. A saliva, essa começa a acumular-se na boca. Arranca-se o salpicão da embalagem. Sem qualquer toque gourmet enfia-se dentro da carcaça. Com pele. Os sabores da carne sabem melhor assim em bruto.
Sem perder tempo a pensar se é o sítio certo ou não para matar a fome, devora-se a sandes. Com pressa, com urgência de a sentir em cada gota daquela saliva que anunciara a gula. Caem migalhas, faz-se demasiado barulho a mastigar... mas ninguém se preocupa. Porque no fim, sacudida a roupa e limpa a boca de qualquer vestígio de pão ou enchido, só mesmo o sorriso de quem se sente saciado poderá denunciar aquela refeição.
terça-feira, junho 22, 2010
Farinha Branca de Neve
A farinha Branca de Neve faz parte dos pratos mais insuspeitos de sempre. Não é preciso muita. Mas entranha-se. Faz incorporar os restantes ingredientes, dando-lhes uma consistência aparentemente forte mas que se desfaz quando, ao fim de umas horas, as fatias começam a ser cortadas pelo cansaço. Seja como for, ninguém pode dedicar uma vida à culinária da vida sem a usar uma vez que seja nos seus petiscos mais arriscados.
Entre os sabores da verdade mais apurados pela Branca de Neve, partilham-se visões gastronómicas que nos deixam a boca seca. Numa rapidez desconhecida na cozinha, revejo-me em cada um dos olhares na minha mesa. São como migalhas: juntas tornam a minha fatia de bolo mais consistente. E sem qualquer recheio dizem-me que só eu é que ainda não percebi que há muito que deixei de ser isto para me tornar num dos sabores que eu julgava secreto no meu menu. Este:
sexta-feira, junho 18, 2010
quarta-feira, junho 16, 2010
Cabernet Sauvignon
Não foi a primeira vez que, na sua consistência encorpada e de coloração intensa – tantas vezes apurada em tons de frutos vermelhos –, o Cabernet Sauvignon foi levado à boca com esta dúvida pelo meio. Entre períodos passados em cubas do mais frio inox e envelhecido por cascos de carvalho que lhe esgotam a sua textura natural, também já perdeu a noção de que idade realmente terá. Quando o tentam conhecer a fundo, há quem diga que tem um aroma complexo. Sem saber se isso é bom ou mau, ele acha que é apenas um vinho simples. Sem idade.
segunda-feira, junho 14, 2010
Chá de menta
O segredo do chá de menta é deitar uma primeira vez no copo e voltar a pô-lo dentro do bule. À segunda vez sabe sempre melhor, dizem eles. Talvez por isso tenha voltado.
Ligo o lume. Ponho ansiosamente o bule com a menta na chama, desejosa de começar a ouvir a água a fervilhar lá dentro. Bum, brum, bum, bruum, buuum… tal como um coração descompassado, assim ferve Marrakech nos meus ouvidos. Fecho os olhos como da primeira vez. Sinto-lhe o inconfundível cheiro. Junto-lhe um disforme cubo do açúcar mais doce, do tamanho dos braços que se abrem para me receber. Sorrio àquele tom escuro a que me habituei sem ter dado conta. Há ingredientes que não se esquecem.
Encho o meu pequeno copo com o braço erguido, conforme a tradição. As pingas salpicam-me a pele suada enquanto oiço os risos de quem confessa prazer em ver-me entrar nos rituais marroquinos. Páro para ver as cores. Aquelas cores. As pessoas passam e eu observo-as hipnotizada. Há crianças que riem. Há outras que mendigam. Há encantadores de serpentes. Há vendedores aldrabões. Há mulheres tapadas. Há homens que discutem. Há tristeza. Há alegria. Há agitação. Há vida.
Calo-me e sinto aquela paz fresca da menta. Foi como regressar a casa.