domingo, dezembro 27, 2009

Flã de liberdade

Ainda está mole. Mas de cada vez que olho para o mapa mundo, como fiz hoje, percebo que em breve ficará duro. Como os meus olhos que deixaram de querer ver só ao perto. Como o meu coração, cuja porta é sim um portão de ferro desejoso de um dia conseguir verdadeiramente abrir. Volto a querer ver gentes e cores, saborear desejos e sabores, ouvir histórias simples de pessoas de longe, mas tão iguais a mim e ti. Quero sentir. Quero fechar os olhos e achar que estou a voar. Quero inspirar e cheirar um ar que não é o meu. O de todos. E na maior das humildades, ter o mundo à mercê dos meus pés. Percorrer metros, quilometros. Sorrir e chorar. Estar lá e voltar. Rumo ao infinito da minha cozinha.

"Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci

Trago boca pra comer
e olhos pra desejar
tenho pressa de viver
que a vida é água a correr

Venho do fundo do tempo
não tenho tempo a perder
minha barca aparelhada
solta rumo ao norte
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada

Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham
nem forças que me molestem
correntes que me detenham

Quero eu e a natureza
que a natureza sou eu
e as forças da natureza
nunca ninguém as venceu

Com licença com licença
que a barca se fez ao mar
não há poder que me vença
mesmo morto hei-de passar
com licença com licença
com rumo à estrela polar"


"Fala do homem nascido", António Gedeão

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