terça-feira, março 23, 2010

Pastéis de poesia

São três da manhã. Para trás ficam os sons e cheiros do Bairro Alto. E, na cozinha, continuamos a discutir os ingredientes dos pastéis da poesia. Ele, que tantas vezes não sabe ser cozinheiro, ensina-me o que melhor sabe fazer: música. Explica-me como se devem bater os ingredientes (no papel), como se deve cortar a massa em quadras ou sextilhas, como e quando se deve polvilhar com um refrão. Ensina-me a arredondar sílabas de forma perfeita. Como juntar palavras que noutra receita não fariam sentido.
Revela-me os seus pastéis secretos. A sua sensibilidade, que tantas vezes serviu de recheio aos que cantam noite adentro. Espanta-me que também ele tenha dois lados de uma só pessoa. Que consiga ser tão contraditório quanto eu nisto do coração. Desta vez não frito os pastéis. Deixo-os repousar na bancada porque o silêncio e um sorriso é (às vezes) a melhor poesia que podemos oferecer a alguém. No ouvido, ficou-me esta até adormecer: